A devoção ao Sagrado Coração de Jesus
vai muito além do que poderia parecer à primeira vista. Para quem se
contenta com as aparências e fica na superficialidade, talvez pareça
suficiente usar a fita do Apostolado da Oração e comungar nas primeiras
sextas-feiras de nove meses seguidos.
Mas não é bem assim. Quando corretamente
entendido, o culto ao Coração de Jesus constitui o centro e o cume da
vida cristã. Pode-se até dizer que, quem encontrou seu sentido e valor,
muda radicalmente sua maneira de encarar a vida, e entra numa dimensão
onde a liberdade, a paz, o amor e a alegria passam a constituir o seu “pão de cada dia”.
O motivo é simples: ao receber esse dom, ele descobre que o Coração de Jesus é uma “fornalha ardente de caridade, cheio de bondade e de amor”,
como rezam as Ladainhas compostas em sua homenagem. Elas refletem a
experiência mais importante que um ser humano pode fazer, assim descrita
por um antigo salmista: «Deus é indulgente e favorável, paciente,
bondoso e compassivo. Não fica sempre repetindo as suas queixas, nem
guarda eternamente a sua mágoa. Não nos trata como exigem as nossas
faltas, nem nos pune segundo as nossas culpas. Quanto o céu se eleva por
sobre a terra, tanto é grande seu amor por aqueles que o buscam. Quanto
dista o nascente do poente, tanto afasta para longe de nós os nossos
crimes. Como um pai se compadece de seus filhos, ele tem compaixão dos
que o procuram. Pois ele sabe de que barro somos feitos e sempre se
lembra do pó que somos todos» (Sl 103, 8-14).
Mas, para acolher e saborear essa
estupenda realidade, o caminho mais curto, para não dizer único, passa
pelos irmãos que Deus coloca ao nosso lado, aproximando-nos de cada um e
tratando-o como ele o faz em relação a nós. É o que acontece quando
dizemos, mais com atitudes do que com palavras, a todos os que nos
procuram em busca de compreensão e apoio: «Venham a mim, todos vocês que estão cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso!»
(Mt 11,28). Seremos confortados e aliviados de nossos pesos na mesma
medida em que ajudarmos os nossos semelhantes a carregarem os seus
fardos.
Quanto mais pura e profunda for sua
comunhão com o próximo, maior é chance que o homem tem para chegar a
Deus. Não há dúvida: a oração lhe fortalece o espírito e a penitência
lhe purifica a alma. Mas somente o amor a quem caminha com ele o fará
alcançar diretamente o coração de Deus.
Deus faz de cada um de seus filhos um “anjo da guarda”. À pergunta de Caim: «Sou eu o guarda do meu irmão?» (Gn 4,9), a única resposta possível é “sim!”.
É por isso que os devotos do Sagrado Coração de Jesus se distinguem por
estarem presentes em todas as iniciativas destinadas a buscar e
promover a quem se encontra à margem da Igreja e da sociedade. Com seus
gestos de benevolência, oferecem a Jesus a alegria de realizar a missão
que o trouxe ao mundo: «Prefiro a misericórdia ao sacrifício, pois não vim para chamar os justos, mas os pecadores» (Mt 9,9).
A misericórdia foi sempre a força que sustentou o Papa Francisco desde a sua juventude, como revelou no primeiro “Ângelus” que rezou com o povo, no domingo, dia 17 de março de 2013: «O
rosto de Deus é de um pai misericordioso, um pai que tem sempre
paciência para conosco. Paciência que é misericórdia, que nos
compreende, nos espera e nunca se cansa de nos perdoar se soubermos
voltar a ele de coração contrito. “Grande é a misericórdia do Senhor”,
diz o Salmo. A misericórdia muda tudo, muda o mundo. Um pouco de
misericórdia torna o mundo menos frio e mais justo. Precisamos
compreender essa misericórdia de Deus, este pai misericordioso, que tem
tanta paciência... Lembremos o profeta Isaías: ele afirma que, mesmo se
os nossos pecados fossem vermelhos, o amor de Deus os tornará brancos
como a neve. Ele nunca se cansa de perdoar. Somos nós que, às vezes, nos
cansamos de pedir perdão. Aprendamos, nós também, a sermos
misericordisos com todos».
Não foi por nada que, ao ser eleito papa, ele conservou o mesmo lema que escolhera no dia de sua ordenação episcopal: “Miserando atque eligendo”. Descobriu-o na conversão e vocação de Mateus: ao invés de julgá-lo e condená-lo, Jesus “teve compaixão dele e o escolheu”. É sempre assim que Deus se relaciona com seus filhos...