Artigo publicado no Jornal O Estado de São Paulo, Ed. de 8 de março de 2014
Cardeal Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo e Presidente do Regional Sul 1 da CNBB
Nos primeiros dias de abril deste ano, o papa Francisco proclamará
“santo” o padre José de Anchieta, um missionário que marcou
profundamente o Brasil nos seus inícios.
Anchieta nasceu em San Cristobal de la Laguna (Canárias), em
19.03.1534; seu pai, Juan López de Anchieta, vinha de importante família
basca, onde foi opositor político de Carlos V. Juan López, encontrando
refúgio nas Canárias para escapar das perseguições sofridas; a mãe foi
Mencía Díaz de Calvijo e Llerena, natural das Canárias.
José foi enviado para estudar em Coimbra quando tinha 14 ou 15 anos
de idade; durante seus estudos de filosofia na universidade de Coimbra,
teve contato com os jesuítas, apenas fundados como Ordem religiosa; em
1º de maio de 1551, José entrou na Companhia de Jesus. Enquanto na
comunidade local eram lidas as cartas dos primeiros missionários
jesuítas no Oriente, entre os quais, S.Francisco Xavier, nasceu em
Anchieta o desejo de também seguir o mesmo caminho missionário; mas foi
enviado ao Brasil pelo próprio Inácio de Loyola, fundador da Companhia
de Jesus; em Salvador, de fato, já estavam em ação, o padre. Manuel da
Nóbrega e alguns companheiros.
Partiu de Lisboa em 8 de maio de 1553 e desembarcou em Salvador no
dia 13 de julho seguinte, ainda noviço e com apenas 19 anos de idade.
Após um breve período de adaptação, acompanhou o Padre Nóbrega para a
nova missão de Piratininga, onde chegaram em 24 de janeiro de 1554; no
dia seguinte, festa litúrgica da Conversão do apóstolo São Paulo, foi
celebrada a primeira missa nesta missão, que recebeu o nome de São
Paulo, em homenagem ao Apóstolo-missionário. Esta data é reconhecida
oficialmente como marco histórico da fundação da cidade de São Paulo.
Anchieta desempenhou ali um intenso trabalho no colégio, o primeiro
dos jesuítas na América; ensinou a língua portuguesa aos filhos de
índios e portugueses; mas também estudou a língua dos indígenas e compôs
a primeira gramática da língua tupi; no mesmo idioma dos índios
escreveu um catecismo, várias peças de teatro e hinos; compôs poemas e
escreveu obras em português, latim e tupi e guarani.
Nos primeiros meses de 1563 acompanhou o padre Nóbrega na negociação
da paz entre portugueses e tamoios; estes ameaçavam a colônia de São
Vicente. Para dar provas de sinceridade na proposta de paz, Anchieta
entregou-se aos índios como refém, ficando mais de 6 meses entre os
Iperoig, enquanto Nóbrega e seus companheiros negociavam a paz com a
Confederação dos Tamoios. Nesse mesmo período, nada fácil e de contínuos
riscos para sua vida, Anchieta escreveu nas areias de uma praia de
Ubatuba seu Poema à Virgem Maria.
Uma vez conseguida a paz, ele se dedicou às missões de São Vicente e
de São Paulo, sempre atento à educação, à saúde e à assistência
religiosa de indígenas e portugueses. No dia 6 de junho de 1566 recebeu,
na catedral de Salvador, a ordenação sacerdotal. Tinha então, quase 32
anos de idade.
Em janeiro de 1567, partiu com o Padre Nóbrega para o Rio de Janeiro,
para fundar o colégio local, que também regeu como reitor entre 1570 e
1573. Nos anos seguintes, foi o responsável pela missão de São Vicente,
onde se dedicou sobretudo à catequese entre os índios Tapuias.
Enquanto isso, escrevia longos relatos aos superiores da Companhia de
Jesus sobre suas atividades missionárias; fino observador dos usos e
costumes indígenas, suas cartas estão repletas de elementos preciosos
para os estudos antropológicos dos primeiros habitantes do Brasil. Mas
também são muitas as suas anotações sobre a flora, a fauna, a geografia e
o clima da terra brasileira. Anchieta pode ser considerado um dos
primeiros antropólogos e naturalistas do Brasil.
Em 1576, tornou-se o quinto provincial da Companhia de Jesus no
Brasil, ocupando esse cargo até 1587; apesar de sua saúde, nunca boa,
empreendeu constantes viagens percorrendo o litoral desde Cananeia, no
sul de São Paulo, até o Recife, para acompanhar as várias missões que os
jesuítas já possuíam no Brasil. Foi também com a sua colaboração que
tiveram início as reduções do Paraguai, com sede inicial em Assunção, e
que se estenderam também para o território da Argentina e do sul do
Brasil, ao longo dos rios Paraguai, Paraná e Uruguai.
A essa altura, já trabalhavam 140 missionários da Companhia no vasto
território do Brasil, aos quais Anchieta visitava duas vezes por ano,
dando origem também a novas iniciativas missionárias, mesmo no interior
do país, fundando escolas e colégios. No Rio de Janeiro, em 1582,
iniciou a construção da Santa Casa de Misericórdia, destinada a assistir
os doentes e as vítimas das frequentes epidemias.
Anchieta foi sempre um religioso interessado profundamente nas
pessoas, dando especial atenção aos pobres e doentes, mas também aos
grupos indígenas ameaçados e aos negros escravizados; percorria grandes
distâncias para visitar algum doente. À noite, sobretudo, passava longas
horas em oração e seu desejo era levar a todos a luz do Evangelho de
Cristo; a educação era parte integrante de seu trabalho missionário;
soube respeitar e valorizar os elementos culturais dos povos originários
do Brasil.
Em 1587, deixando o cargo de superior provincial, respondeu por
vários anos, como reitor, pelo colégio de Vitória. Ali começou a sentir
mais fortemente a doença que o levaria à morte em 9 de junho de 1597,
enquanto se encontrava em Reritiba, uma localidade no Espírito Santo por
ele mesmo fundada e que recebeu, mais tarde, o nome de Anchieta.. Seu
corpo foi levado para Vitória, para os solenes funerais, durante os
quais, ele já foi reconhecido como ”apóstolo do Brasil”.
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